A decisão do Tribunal Judicial de Portalegre foi proferida em processo de inventário por divórcio, no qual interveio umbanco, reclamando o valor em dívida relativo a crédito hipotecário.
A questão que se levantava era a do reconhecimentodo valor em dívida ao banco, após a aquisição, por este, do imóvel objecto da hipoteca.
O banco tinha reclamado umvalor global em dívida de 128.606,91 euros, antes da aquisição. Para venda, foi fixado um preço base de 117.500,00 euros,por ser o
valor patrimonial do imóvel à data. O empréstimo foi concedido pelo mesmo valor de 117.500,00 euros, por sero valor patrimonial do imóvel à data da celebração do contrato.
O banco propôs a compra do imóvel por 82.250,00 euros(70% do valor base) e, por falta de proposta por valor superior, o imóvel foi-lhe adjudicado.
Após a adjudicação,um dos mutuários requereu ao Tribunal que considerasse a dívida ao banco totalmente liquidada, dado o valor patrimonial doimóvel, o valor da aquisição e o facto de ter sido o próprio credor hipotecário a adquirir o bem. O banco discordou, reclamandoa diferença entre o valor em dívida antes da aquisição e o valor da aquisição, computando o remanescente a que tinha direitoem 46.356,91 euros.
E o tribunal decidiu não considerar que a adjudicação do imóvel pelo banco acarretasse a extinçãoda obrigação por completo - não se afastando aqui do entendimento sempre sufragado -,
mas ¿ aqui sim, de forma inédita- reconhecer a dívida do banco, não pelo valor reclamado após a aquisição, mas por 12.021,52 euros, por ser a diferença entreo valor anteriormente reconhecido no processo (129.521,52 euros) e o valor patrimonial do imóvel adjudicado (117.500,00 euros).
OTribunal alicerçou a sua decisão, essencialmente, na figura do Abuso de Direito e no princípio do enriquecimento injustificado,considerando que fixar o remanescente
da dívida no valor pretendido pelo banco, apesar de corresponder a um exercíciode um direito válido (adquirir o imóvel por 70% do seu valor), consubstanciaria um
desequilíbrio desproporcional entrea vantagem auferida pelo banco e o sacrifício imposto aos mutuários.
E considerou relevantes os seguintes fatos:
1¿ O empréstimo concedido configurou um mútuo de escopo, no sentido de que o montante recebido se destinou exclusivamente àaquisição de imóvel para habitação.
2 ¿ O banco credor aceitou, quer no momento da celebração do contrato, quer nomomento da adjudicação (volvidos cinco anos), que o valor patrimonial do imóvel era de 117.500,00 euros, tendo-o adquirido,na específica qualidade de credor hipotecário, por 82.250,00 euros (70% desse valor).
Na decisão em causa, não éfácil aceitar que o valor reconhecido teve por base o facto de o adquirente do imóvel ter sido o próprio credor hipotecário,pois, se o imóvel
tivesse sido adquirido por terceiro, pelo mesmo valor, o valor reconhecido ao banco poderia ter sidosuperior.
Mas, dadas as características concretas do caso, nomeadamente o facto de, em cinco anos, o valor patrimonialatribuído ao imóvel não ter sofrido alteração, sou sensível à bondade da solução, por considerar válido, mas abusivo (e, porisso, não atendível) o direito do banco ao remanescente em dívida, calculado pela diferença entre o valor reclamado antesda aquisição e o valor pelo qual acabou por adquirir o imóvel.
Não foi (ainda) desta vez que o panorama se alterou.Mas esta decisão parece dar um sinal de mudança. Que já transitou em julgado.
Marta Oliveira Rocha, advogada([email protected])Fonte: Agência Financeira